Porém, como um critical hit, os japoneses surpreenderam (coisa que, para o anime Pokémon, é mais raro que o Ash ganhar uma Liga) com o anúncio de Pocket Monsters, puro e simples, sem subtítulo.
No ocidente, a série foi intitulada de Jornadas Pokémon, o que representa bem sua premissa: Ash, Pikachu, e o novo protagonista, Goh, visitam todas as regiões do Mundo Pokémon, de Kanto a Galar, para viverem diversas aventuras enquanto buscam alcançar seus objetivos.
Ao resgatar o título original do anime (na versão japonesa), Jornadas Pokémon faz aquilo que nenhuma outra série anterior de Pokémon fez com tanto afinco: continuidade. A ideia desse novo anime veio para reforçar que tudo está conectado neste grande mundo que é Pokémon, embora seja dividido por regiões com diferentes cidades, climas, biomas e criaturas. Pokémon é Pokémon, não importando o subtítulo que vem a seguir.
A decrescente audiência do anime desde Geração Avançada (série correspondente a 3ª Geração dos jogos), definitivamente, contribuiu para o reposicionamento da marca nesta mídia. Jornadas abandona completamente a estrutura que se mantinha desde a primeira temporada do anime, passando a focar mais em episódios com enredos isolados permeados por uma ideia geral, aperfeiçoando o que foi iniciado em Pokémon, a Série: Sol e Lua.
Aliás, Sol e Lua serviu de laboratório para a produção de Jornadas, uma vez que muitos dos conceitos do anime de 2016 se mantém hoje em dia: design mais fluido, humor mais infantilizado, e foco de narrativa além das batalhas.
Mas o que Pokémon Jornadas nos contou em um pouco mais de 60 episódios?
O primeiro episódio já nos mostra que o anime, aparentemente, não mais seguirá a regra do soft reset (fingir que as séries anteriores não existem), mostrando logo na primeira cena a taça do Ash de Campeão da Liga Alola. O enredo do episódio, a história do Pikachu antes de ser escolhido pelo nosso herói, é uma das coisas mais surpreendentes que Pokémon nos mostrou em toda sua existência, não por ser inovador (qualquer anime dedicará um episódio para contar o backstory de seus protagonistas), mas sim por que em 20 anos de franquia isso sequer foi mencionado por algum personagem que conhecia a existência do Pichu.
Em relação ao Ash, nos episódios seguintes, Jornadas seguiu fazendo reparações, dando Pokémon que há muito tempo os fãs queriam ver no time do protagonista. Dragonite, Gengar e até mesmo Lucario foram escolhas muito bem-vindas por parte do roteiro, já que são Pokémon muito queridos, além de fazer jus a um Campeão.
Até a criação de um torneio mundial de Pokémon (conhecido como Campeonato da Coroação Mundial) faz sentido no contexto de Jornadas: uma competição com diversos treinadores Pokémon de todas as regiões é definitivamente o que esperaríamos de uma série cuja premissa é unificar o Mundo Pokémon.
Claro que a expectativa do fã do anime Pokémon, somado a propaganda que Jornadas utiliza, nos fez pensar que teríamos a presença de personagens do passado em absolutamente todos os episódios. Porém, o anime sabe jogar com as armas que tem, e espalha o fan service pela série, deixando episódios mais soltos entre os momentos de ápice.
A volta de Korrina, por exemplo, foi uma estratégia praticamente sem defeitos, uma vez que resgata uma das mecânicas mais queridas dos fãs, a Mega Evolução, além de rememorar os tempos de Pokémon, A Série: XY.
Mas, se levarmos em consideração a quantidade de episódios apresentados até agora, o Campeonato da Coroação Mundial foi quase que esquecido. A maioria dos episódios de Jornadas lembra aos fãs que o Ash está participando deste torneio, mas resumindo tudo a slideshows com batalhas entre meros figurantes e sem nenhum peso narrativo. É um desperdício de oportunidade fazer o Ash participar de um evento mundial, em uma série que quer resgatar o passado, apenas batalhando com personagens aleatórios. E isso tem relação direta com o personagem Goh.
A criação de um novo protagonista vem com a ideia de dar uma nova cara ao anime de Pokémon. Embora Ash e Pikachu sejam personagens carismáticos, é inegável que somente com eles o anime não se sustenta, talvez sendo, por isso, que toda série traz personagens novos (descartados após o fim da respectiva série, obviamente).
Mas Goh parece que veio para ficar. Seu objetivo de capturar todos os Pokémon é tão infinito quanto o objetivo de Ash querer se tornar um Mestre Pokémon - ou talvez mais, já que a Game Freak criará novas criaturas ad eternum.
Aliás, o Goh responde a uma parcela dos espectadores do anime que sempre questionavam o fato de Ash capturar pouquíssimos Pokémon em suas aventuras. Claro que mais Pokémon no time implicaria em mais desenvolvimento e trabalho para a produção do anime, somado ao fato de que há Pokémon mais carismáticos (rentáveis) que outros - coisa que, inclusive, Goh é constantemente criticado (de forma injusta, aliás), uma vez que já possui trocentos Pokémon, mas somente uma pequena parcela é realmente aproveitável pelos roteiristas.
Porém, a existência de Goh revela diversos problemas que Jornadas possui na sua narrativa. Uma delas, evidentemente, é a desproporcionalidade entre os protagonistas. Obviamente, por se tratar de um personagem novo, é preciso que a série apresente Goh e dê destaque a seus momentos. Contudo, tudo acaba sendo relacionado a Goh, até mesmo os episódios que não são sobre ele.
Além do mais, os episódios de Goh são bem mais interessantes que os do Ash, possuindo nuances e desenvolvimento para o personagem. Ash se resume a batalhas em uma competição esquecida, enquanto que Goh é capaz de capturar Pokémon Lendários e se conectar cada vez mais com seus Pokémon, ao mesmo tempo que cumpre, com maestria, seu papel de marketing em apresentar as criaturas da 8ª Geração dos jogos. É como se a produção do anime quisesse, desesperadamente, equiparar 20 anos de estrada de Ash em 60 episódios para Goh, deixando o primeiro protagonista ofuscado, como se os dois não pudessem ter destaque ao mesmo tempo.
Apesar disso, Pokémon Jornadas apresenta aos fãs do anime um pouco mais daquilo que era esperado para as séries. É bom ver que o anime finalmente parou de fingir que as séries anteriores não existem, mas ainda é preciso polimento na hora de escrever os roteiros dos episódios e um direcionamento para a história, porque o anime quer falar sobre tudo ao mesmo tempo que não fala sobre nada de forma contundente.
Mas, como o próprio título sugere, Pokémon possui muitos caminhos para apresentar diversas histórias, e talvez esse seja o resumo deste novo anime. Resta saber a que rumo essa Jornada levará.
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